Violência no V FSM

Por troiano 01/02/2005 às 21:19
www.midiaindependente.org/pt/blue/2005/02/306140.shtml

O Acampamento da Juventude nunca viveu tantas ocorrências quanto nesta quinta edição

Violência no V FSM

O Acampamento da Juventude (AJ) durante o V Fórum Social Mundial tornou-se espaço para outros fins além dos de articulação e troca de experiências políticas, de interação entre grupos, de venda de produtos - socialmente responsáveis ou não -, de manifestações artísticas. Lá também sentimos na pele uma avalanche de furtos, estupros, espancamentos, roubos e outras violências das quais poucos saíram ilesos, sejam como vítimas, seja assustados pela boataria e paranóia.

"Com a multidão que chega, nenhum processo é controlável. A manifestação coletiva ninguém segura". Assim Cristina Ribas, membro da comissão de programação do Comitê de Organização do AJ definiu o descompasso entre as intenções do comitê e o que se viu nestes 6 dias, em que cerca de 30 mil pessoas ocupara o Parque da Harmonia, em Porto Alegre. Em 2003, durante o III Fórum, ouviu-se muito falar de roubos e furtos, mas nada comparável a este ano. Wilson Henrique, militante do movimento comunitário na cidade do Rio de Janeiro, estava embasbacado em frente à tenda de segurança do AJ, lamentando um prejuízo de mais de 2000 reais. Na noite anterior, sua barraca fora roubada e ele perdera uma câmera de vídeo de 1500 reais, 500 reais em dinheiro, a passagem de ônibus de volta para sua cidade natal, mais os pertences pessoais. Alguém entrara em sua barraca pela madrugada do dia 30 para o dia 31/1, aproveitando que ele estava adormecido, abriu a porta e levou sua mochila. Casos semelhantes a este eram escutados em qualquer lugar do acampamento. O próprio Wilson relatou casos de espancamento de seguranças, roubo, tentativa de linchamento e estupro.

O coordenador de segurança do AJ, da empresa de segurança PSV, estimou que diariamente aconteciam quatro estupros, além de diversas tentativas e assédios, o que vem a confirmar relatos já postados no CMI. Aproveitando que os chuveiros coletivos eram mistos e ao ar livre, grupos de homens paravam para observar as mulheres, que se constrangiam. Uma jovem encontrava-se em coma após ter sido estuprada e espancada e ter sofrido traumatismo craniano, que por sua vez originou um coágulo no cérebro. Tudo isto nas palavras do coordenador, que destacou também a profusão de furtos (mais de 20 ocorrências diárias, cujo método mais comum era o de rasgar as paredes das barracas com navalhas ou estiletes e levar o que havia em seu interior), brigas, arrastões, linchamentos que culminaram em agressões aos próprios seguranças. O saldo final eram 8 agredidos e 2 hospitalizados.

Cristina Ribas comentou sobre o contrato da empresa PSV, afirmando que devido aos cortes de orçamento do FSM e do AJ, optou-se por contratar a empresa de segurança mais barata e com preparo insuficiente. Segundo ela, a equipe tinha certa competência para cuidar do patrimônio do AJ - como no Laboratório de Conhecimentos Livres, repleto de equipamentos eletrônicos e computadores - mas não sabiam lidar com pessoas, tendo sido agressivos com os acampados. Além disso, a empresa chegou ao Parque Harmonia apenas dois dias antes do Fórum, quando a estrutura do acampamento já funcionava, com gente acampando. A idéia da organização era não repetir 2003, quando a brigada militar gaúcha reprimiu os ocupantes do acampamento, tanto que ouve diversas conversas com a instituição, a fim de garantir que ela não atuasse lá. Tal decisão, segundo Cristina teria sido tomada de forma consciente pelo Comitê Organizador, visando a assegurar a liberdade de entrada de todos - o que não deixou de expor as contradições da cidade onde o acampamento está inserido.

Outro ponto recorrente foi o desencontro de informações. Não se sabe ao certo o número de queixas, quais seus tipos. Poucos registraram queixas, tanto que a Brigada Militar do Fórum, contando com um contingente de 2 mil guardas, registrou apenas 214 queixas no decorrer de seis dias. Isto não só no perímetro do acampamento, mas em toda área da Usina do Gasômetro, onde distribuíram-se as atividades do evento. 118 queixas referiam-se a "furtos descuido", ou seja, que contaram com a distração dos donos em relação a seus próprios pertences, segundo explicação da sargenta Janice Santana, assessora de imprensa da Brigada. 35 pessoas presas, 13 roubos, 3 brigas: este foi o saldo de problemas até a hora do almoço do dia 31, o que ela qualificou como uma "quantidade esperada de ocorrências". Nenhum estupro, segundo ela. Ou espancamento. Nenhuma tentativa de linchamento. Além disso, afirmou que não houvera conversa alguma entre organizadores do acampamento e diretores da Brigada, para que outro tratamento, mais brando, fosse fornecido. Osvaldo Bonetti, do espaço Che, destinado aos cuidados de saúdo dos acampados, também não registrara nenhum atendimento a estupros, 3 atendimentos a mulheres agredidas e uma tentativa de linchamento de um ladrão tomado por estuprador.

No entanto, era só caminhar um pouco entre as barracas para confirmar casos como o de Wilson Henrique. Membros de minha delegação (Rádio de Tróia - 102,9 FM Livre - Florianópolis) tiveram barracas vandalizadas e assaltadas, bolsas furtadas, presenciaram tentativas de linchamento. Um deles me confidenciou que, também durante a madrugada do dia 30, uma turba que assistia a um conflito perto da tenda Raízes berrava exaltada: "Idade Média, Idade Média!".

Cabe pensar se as formas de organização de segurança do AJ - para as quais havia um grupo de trabalho específico dentro do Comitê Organizador - deveriam ter sido explicitadas antes, tanto no sítio do acampamento na internet quanto durante o credenciamento, para que pudéssemos nos auto-organizar melhor, e preservar nossa integridade. Talvez nem ter vindo. Segundo Cristina, uma opção para tornar as coisas mais seguras e centradas nos objetivos primordiais do Fórum seria transferir a sede do acampamento - e, conseqüentemente, o próprio FSM - para um lugar mais rural, no interior, para onde somente os interessados gostariam de ir.

Difícil saber como seria.

E em Mumbai, como terá sido?

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