A pobreza invisível no FSM

Por Maurício Fabião* 01/02/2005 às 15:03
www.midiaindependente.org/pt/blue/2005/02/306117.shtml

Reflexões sobre o V Fórum Social Mundial.

Porto Alegre, 27/01/2005, às 21h03.

Alessandro tem 18 anos, é o mais velho de quatro, mora com eles e com a mãe na Vila do Morro da Polícia, em Porto Alegre, tem uma cicatriz de bala perdida na perna direita, é o único da casa que "trabalha" (catando latinhas) já que a mãe tem problema de coração e asma e seu pai já morreu. Pediu-me um churrasquinho na Praça do Pôr-do-sol, na abertura do V Fórum Social Mundial, enquanto catava latinhas (já tinha duas) para comprar o "kilinho" (bujão de gás pequeno), que custa R$ 15,00 (o bujão grande custa R$ 30,00). Pediu, durante o diálogo, os trocados de nossos espetinhos, pois, segundo ele, "é melhor pedir do que roubar". Ponto.

"Por que", pode perguntar um leitor, "você está falando disso, se todo mundo no Fórum Social já está fazendo a sua parte"? Porque alguma coisa está errada. Não sei bem o que é, mas está. Afinal, existem milhares de ONGs, de projetos, de ações, mas os problemas sociais continuam geração após geração. Lembrando que a inscrição para o FSM foi R$ 12,00, faltariam só R$ 3,00 para o bujão do Alessandro.

Poucos de nós, nesses dias ensolarados de PoA, precisamos catar latinhas para vir até aqui. Se soubéssemos o que é ser como o Alessandro, talvez ele e muitos outros não precisariam viver de trocados. Mas Alessandro sabe das coisas:

Bem, o pôr-do-sol está indo embora e o show do ministro Gilberto Gil vai começar. Você pode estar pensando como a vendedora de churrasquinho: "Ele vai te enganar, contar um monte de mentiras..." ou como um dos meus companheiros com bandeiras vermelhas possivelmente pensariam: "Isso será resolvido após uma transformação estrutural, a partir do rompimento do acordo com o ...".

Garotos como Alessandro e as garotas de 10, 11, 12 anos que vendem cervejas, salgados e caldos-de-cana estão invisíveis aos olhos de boa parte de nós, participantes do V Fórum Social Mundial. Portanto, prefiro que você pense como Sócrates: "só sei que nada sei". Depois, sugiro que você tome uma atitude sugerida originalmente por Platão e reverberada pelo "Matrix": "olhe para fora da caverna". Aí, acho que outro mundo poderá começar a ser possível, mesmo.

* Sociólogo & Professor - Instituto Impacto Social

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