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A violencia entre Quebec e Sao Paulo
by Henrique Parra 1:55pm Tue Apr 24 '01
hzmparra@yahoo.com

Continuacao do relato dos protestos em Quebec e comparacao com a acao policial em Sao Paulo


A20 Québec

Transmito agora a continuacao de um relato interrompido, redigido no calor dos acontecimentos do sabado a noite em Quebec e que, por razoes que explicarei encontrar em seguida, so agora sera retomado. Esta pequena texto a que me refiro esta disponivel neste mesmo sitio com o titulo "Resistencia em Quebec-A21"

No instante em que finalizavamos o texto acima citado (19:35 Quebec) uma serie de eventos levaram aa interrupcao dos trabalhos. A partir de tais acontecimentos e aa luz da simultanea represao policial em Sao Paulo, quando da manifestacao anti-AlCA, apresentarei algumas reflexoes.

As 19 :30 o estouro das bombas de gas lacrimogenio estavam ao nosso lado. Comecei a ficar nervoso e sabiamos da aproximacao da policia. Todos os relatos que chegavam ao Centro de Midia Alternativa do Quebec (CMAQ) davam conta do acirramento dos conflitos entre manifestantes e policiais. Ao mesmo tempo relatos enviados por grupos de Direitos Humanos davam conta da evolucao da violencia policial.

Foi neste contexto que recebemos um telefonema de alguem que se identificara como medico e que disse que um jovem manifestante chegara gravemente ferido ao hospital, com um tiro de bala de borracha na garganta e que ele acabara de morrer. Neste instante todo o coletivo de jornalistas parou e no mesmo lugar uma assembleia ali se instalou: o que fazer com essa informacao?

Numa agil discussao democratica o grupo de mais de 40 pessoas deliberou que um pequeno grupo deveria ir ao hospital para confirmar tal informacao, pois a liberacao de tal noticia teria serios impactos sobre uma situacao que se agravava minuto a minuto. Entretanto, durante a assembleia um pequeno grupo de jornalista entrou correndo no CMAQ dizendo que a policia ja estava na escadaria ao lado do CMAQ.

Apesar das portas estarem fechadas, o que criava um calor infernal na sala, o gas lacrimogenio jogado ao lado do CMAQ entrava lentamente pelas frestas. Neste momento ja acumulavamos uma pilha de roupas do canto da sala pois todos aqueles que entravam no CMAQ eram convidados a tirar os casacos para tentar diminuir a contaminacao trazida do exterior. Alem disso, como suspeitavamos que aquele gas continha ainda produtos quimicos invisiveis a olho nu para a indentificacao via infra-vermelho passamos a usar, na rua durante a noite, nossas roupas do lado avesso.

Foi nesse distante contexto que pude sentir como a policia brasileira opera atraves da implantacao do terror permanente. Explicarei!


A20 São Paulo

Ao perceber a situacao (aumento do conflito, possivel morte de manifestante, gas lacrimogenio, aproximacao da policia) lembrei-me de minhas experiencias previas com a policia brasileira. Nesse instante tive medo e imaginei o desenrolar obvio dos fatos: a policia sabe que temos essa informacao, vao entrar no CMAQ e trancar-nos aqui para averiguacao com possivel prisao e espancamento, e eu, na situacao de imigrante seria facilmente expulso do pais na semana seguinte.

Diante dessa expectativa nao tive duvidas, falei pra Ana, "vamos sair daqui agora! "
Para sair tivemos que passar por uma densa cortina de fumaca, antes porem, dei uma rapida olhada para a escada e pude realmente ver os policias da tropa de choque no topo da escadaria.

Mais tarde, nessa mesma noite, entrei em contato com pessoas do CMAQ para saber o desenrolar dos fatos. O rapaz gravemente ferido que estava no hospital estava fora de perigo de vida (portanto a informacao era falsa e premeditada); a policia, apesar de insistir em bombardear com bombas de gas a escada proxima ao CMAQ em nenhum momento chegou a entrar no CMAQ (por via das duvidas os jornalistas fizeram uma barricada nas portas).

Passado o sufoco imediato dei-me conta do meu terror exagerado e tentei comprender o porque daquela minha expectativa. A unica razao que encontrei foi o meu conhecimento e vivencia sobre a ausencia de limites para a acao policial brasileira. Essa reflexao leva-los para uma rapida comparacao entre a policia brasileira e canadense.

Durante todos os protestos e conflitos que presenciei em Quebec tive a certeza de que existia algum acordo tacito entre os policiais e os manifestantes sobre quais eram os limites esperados da acao de cada um dos lados. A policia se continha de uma lado e os manifestantes de outro. Ambos sabiam os riscos envolvidos. Este limite era imposto, de uma certa maneira, pelas instituicoes sociais e pela cultura que estipulam o admissivel, e portanto os direitos de cidadania.

Segundo a « opiniao publica » esse limite foi quebrado (pelo menos segundo as opinoes expressas na midia imprensa e radiofonica) quando a policia fez uso excessivo de bombas de gas lacrimogenio; quando fez uso desnecessario de balas de borracha e quando cometeu prisoes arbritarias. Ainda, a policia cometeu crime quando demorou mais do que 24 horas para colocar a pessoa detida em contato com um advogado.

Quando comecei a receber as noticias sobre a repressao policial aa manifestao na Avenida Paulista compreendi entao o porque daquela minha expectativa. Vendo as fotos e lendo os relatos das pessoas que foram presas, agredidas ou que tiveram o socorro negado pela policia lembrei-me da barbarie nacional, do desencontro entre o discuso oficial modernizante e a realidade medieval brasileira. Lembrei-me que no Brasil nao existem limites para a acao policial e que a ditadura militar ainda persiste na forma disfarcada de controle social que implanta uma politica de terror capaz de sustentar uma desigualdade socio-economica astronomica.

Tive dificuldade em explicar para os colegas estrangeiros o porque daquele excesso. A unica explicacao que encontro eh a propria « economia da violencia », onde nao existe excesso. Nessa « economia da violencia » todo aparente excesso tem uma funcao dentro dos mecanismos de manutencao do controle social. Ela cria o terror!

Os jovens da Paulista foram torturados. Tiveram fraturas expostas, traumatismo craniano. Conheco pessoalmente pessoas que so deixaram agora o hospital apos passarem por cirurgia. Outros foram expulsos a tiros da entrada do Hospital Nove de Julho. Se a imprensa « oficial » nada disse sobre isso pergunte-se o porque.

Enquanto em Quebec, onde mais de 90 mil manifestantes estiveram presentes, o numero de feridos nao chegou a 20, sendo que cinco gravemente. Em Sao Paulo a manifestacao de dimensao bem menor teve mais de 70 pessoas feridas, a grande parte com serias lesoes. Se em Quebec tinhamos medo de possiveis balas de borracha em Sao Paulo os (as) colegas tinham medo de balas de verdade (que tbem foram disparadas), medo do abuso sem limite e da tortura indiscriminada. Nao preciso de estatisticas para contabilizar o absurdo, a barbarie e a incompetencia da policia paulista.

Aos colegas que estiveram presentes na Paulista gostaria de expressar meu apoio e minha profunda indignacao pela grotesca acao policial.

De Montreal, 24 de abril, 2001.
Hernrique Parra

Para obter mais informacoes sobre os eventos em Quebec veja:
www.cmaq.net
www.sommetdespeubles.org

Informacoes no Brasil veja:
http://brasil.indymedia.org


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