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A sombra de uma ditadura
Por Pedro Carrano (CMI-ctba), de Otavalo, Equador 18/04/2005 às 21:55
http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2005/04/314097.shtml

População pede a saída de Lúcio Gutiérrez, que cada vez mais revela sua face ditatorial. Porém, sem romantismos, os protestos carecem de mais atenção aos problemas reais do país e menos nacionalismo.

Era o dia 13 de abril e as ruas do centro de Quito - capital do Equador, encravada nos Andes - estavam mais curtas. Uma tropa de 1.100 policiais cercava os arredores do Palácio do Governo, cujas ruas de acesso estavam bloqueadas com arames farpados. Nesse dia, setores da sociedade convocaram uma paralização, seguida de protestos, pedindo a saída do presidente Lucio Gutierrez, junto com a reforma da Suprema Corte e a substituição dos atuais magistrados. Esta nao é a primeira vez que a população do país "bota" um presidente. Em 97 e em 2000 se passou o mesmo.

Para muitos, a historia outra vez se repetindo com Gutiérrez pode ser algo inesperado, afinal havia um certo discurso de que, ao chegar no poder, ele se acrescentaria ao famigerado rol de presidentes de esquerda latinoamericanos. Ledo engano. Na época da eleição (2002), seu partido tinha o apoio do Pachakutik, representante dos povos originários. Esse apoio certamente foi decisivo na sua chegada ao poder. O problema é que seis meses depois ou os politicos do Pachakutik se desligaram do governo ou perderam cargos, pois o "Coronel" - como chamam este militar e presidente - nao cumpria suas promessas.

A taxa de juros do Equador favorece a especulação financiera. O governo Gutiérrez foi o mais submisso das duas últimas décadas aos interesses norteamericanos, como conta o Le monde Diplomatique (2004), e está à beira de firmar o TLC (Tratado de livre Comércio) com os Estados Unidos. O país sobrevive com a economia dolarizada em parte porque tem uma soma incrível de imigrantes enviando dinheiro para os familiares. Só em Nova Iorque, por exemplo, vivem 26 mil equatorianos. Mas, por estas bandas, o desemprego atinge a 12 por cento da população.

Porém, o que culminou com a crise atual foi a eleição inconstitucional do Tribunal Supremo Eleitoral, Tribunal Constitucional e da Corte equatorianas. Pois Gutiérrez, em dezembro de 2004, tinha maioria no Congresso e elegeu os magistrados de acordo com os seus interesses, como conta o ativista José Encalada. "A Corte poderia renovar-se com seu próprio mecanismo", conta outro entrevistado, criticando a atitude do mandatário.

Não é a primeira vez que essa prática acontece no Equador e, ironica e tragicamente, o PSC (Partido Social Cristiano), partido que hoje está na oposição, havia feito o mesmo em 97, quando a constituição permitiu que o Congresso elegesse a Corte Suprema. "Mas era para ser a única vez e o congresso não elegeria mais o poder judiciário", diz José Encalada. Dessa vez, com a Corte em mãos, Gutiérrez anulou as acusações que caíam sobre o ex-presidente Abdala Bucaram, que se refugiou do país acusado de corrupção. Agora Bucaram - o louco - está de volta. Outros políticos acusados também tiveram a sua, digamos, anistia.

A partir do dia 13 os protestos se intensificaram na cidade de Quito. Nesse dia, jovens se enfrentaram com a polícia, que utilizava un tanque para atirar bombas de gás lacrimogênio. Nos dias seguintes, haviam várias camadas e diferentes intenções entre a massa de manifestantes que tomou a cidade. Os movimentos sociais protestavam também contra o TLC e contra a Ley Topo (uma medida prévia ao TLC, que pretende mudar o regime de segurança social e privatizar a exploração de petróleo, entre outras coisas). No mais, os gritos partiam da boca da classe média, buzinando dentro de seus jipes ou fazendo panelaços noturnos. Uma manifestação legítima, é claro, ainda mais quando Gutiérrez declarou estado de emergência no dia 15 - e voltou atrás no dia seguinte - limitando os direitos individuais dos cidadãos e revelando sua faceta ditatorial.

Porém, os protestos, em geral, carecem de uma proposta política (com pontos como quem entra no lugar de Gutiérrez, como vai ser eleita a nova Corte para que nao seja partidária, etc.); e também uma proposta econômica, se pensarmos o quanto o TLC terá impacto na vida dos agricultores e na produção deste país andino. Por ora, partidos e organismos favoráveis ao TLC estão fazendo parte da revolta e convocando uma população de ânimo basicamente nacionalista, sem atenção ao contexto no qual vive o país. Ou seja, a saída de Gutiérrez, pode trazer mudanças rasas.

Depois de aprovar a dissolução da Corte, no fim de semana, cabe agora ao congresso eleger novos magistrados. Na opinião de Rodrigo Collaguazo, da Confederação de Seguro Campesino, a nova Corte "deveria ser elegida em colégios eleitorais, pelos trabalhadores". Anteontem, 29 manifestantes foram presos e a linha dura do governo Gutiérrez preocupa militantes e ativistas.


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