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MST Informa - nº 28 - 6/12/2002

Ano II - nº 28

sexta-feira, 6 de dezembro de 2002

Juízes visitam MST no Rio Grande do Sul

Em 20 de julho de 2002, um grupo de doze juízes, integrantes do Núcleo de Estudos Críticos, realizou visita a um assentamento e a um acampamento do MST no Rio Grande do Sul.

De acordo com o relato do núcleo*, a visita foi importante por ser uma oportunidade de conhecer a realidade distante dos gabinetes. "Mesmo que se tenha consciência das dificuldades que amargam milhões de brasileiros, o contato direto com a realidade viabiliza uma dimensão mais exata da demanda social e instiga a formular uma infinidade de questionamentos sobre a atividade jurisdicional".

A seguir, trechos do relatório e das conclusões dos juízes:

O assentamento

O assentamento de Charqueadas tem 11 anos de existência e funciona por intermédio de uma cooperativa criada pelos assentados. Não houve divisão de lotes. As casas foram construídas em um único local, onde há escola, creche, centro comunitário, posto de saúde e uma pequena estrutura urbana.

A terra é trabalhada por todos, atendendo a projetos de produção da EMATER (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) e com acompanhamento de técnicos do próprio MST, que desenvolvem atividades sem a utilização de transgênicos ou produtos químicos, tanto na lavoura como na criação de animais.

A ração dos animais é feita com os produtos da própria lavoura. O leite é produzido de forma inteiramente mecanizada. Na lavoura, utilizam pouca mecanização e repudiam a monocultura. Os alimentos consumidos pelos assentados são todos produzidos no local. O excedente é colocado no mercado, com boa aceitação em virtude dos meios naturais de produção. Ao todo, são 28 famílias assentadas, que trabalham de forma compartilhada. Cada família recebe uma remuneração de acordo com a produção do assentamento.

O acampamento

O acampamento visitado foi formado em 2001, com seiscentas famílias. Durante o período em que estão acampados, o grupo estabelece debates sobre gênero, educação, saúde e cidadania. Dividem as tarefas em grupos (saúde, educação, limpeza, segurança, alimentação etc.).

As crianças têm atividades educacionais e recreativas diariamente. Há também programas de alfabetização de adultos e uma farmácia que funciona 24 horas dentro do acampamento. Todo medicamento é produzido com manipulação de ervas medicinais plantadas no local. Existe abastecimento de água e recolhimento de lixo.

O local prima pela organização que não existe em muitos aglomerados urbanos. Os acampados não têm problemas de violência, exceto no que diz àquela da precariedade da estrutura em que vivem, sem saneamento básico, água encanada, sistema elétrico ou pavimentação. A ausência de violência entre os acampados pode ser justificada pelo trabalho comunitário desenvolvido.

Todos os dias um grupo de trabalhadores usa um ônibus para ir às frentes de trabalho, exercendo atividades remuneradas e revertendo o fruto do trabalho ao coletivo.

Conclusões

A vivência com as populações carentes possibilita a observação da forma como as pessoas se organizam para buscar a superação da miséria, ao mesmo tempo que ajuda a desmistificar esses grupos. A conduta organizada de atuação demonstra que a luta pela reforma agrária atende uma estratégia pacífica de reivindicação.

É importante um debate sobre a exclusão social no seio da magistratura. A falta de informações sobre as condições sócio-econômicas das populações miseráveis e as opções que estas elegem para alcançar inclusão social afetam a livre convicção do juiz.

A determinação daqueles que buscam o conhecimento pelo contato com populações que estão abaixo da linha da pobreza deve contar com o apoio ou, pelos menos, tolerância de seus pares, visando uma análise mais fidedigna do fenômeno social. O ideal seria inserir na formação do magistrado a possibilidade de contato direto com a realidade social antes do ingresso na carreira, visando uma maior percepção do efeito coletivo e difuso da decisão judicial.

A lógica do liberalismo oitocentista que justificava o trabalho escravo também fundamenta o latifúndio do terceiro milênio. Hoje, assim como nos tempos do abolicionismo, o Poder Judiciário aparece como a via de absorção das demandas decorrentes das contradições sociais.

A compreensão desse papel do Poder Judiciário na questão agrária é um dos grandes desafios do nosso tempo. A justiça distributiva é uma utopia a ser realizada que não pode cair na desesperança.

Todos os dados deste artigo foram extraídos do texto elaborado pelo Núcleo de Estudos Críticos do Direito: "Relato e conclusões sobre a visita ao assentamento de Charqueadas e a um acampamento do MST", de 8/11/2002.

Breves

Posseiros são ameaçados de morte no Paraná

As famílias agricultoras que vivem na comunidade de Rasgadinho, a 80 quilômetros de Guaratuba, litoral paranaense, têm sido vítimas de violência e do terror desde 1995. Os proprietários de uma fazenda que fica a três quilômetros do local vem executando estas ações.

No último 27 de novembro, o fazendeiro José Cavalcante (vulgo Zeca), acompanhado por três pistoleiros, invadiram a casa de Mário Rita, que foi ameaçado de morte. Em seguida, se dirigiram à casa de Elias Miranda. Como ele não estava, dispararam vários tiros e derrubaram por completo a casa. Andaram por toda a comunidade, tirando fotos e ameaçando destruir tudo. A polícia civil foi acionada, mas até agora, nenhuma providência foi tomada.

A comunidade é formada por 20 famílias que lá vivem desde 1907. Desde 1995, queima de casas, destruição de lavouras, ameaças e lesões corporais são o cotidiano dessas famílias.

Assim, a CPT do Paraná pede para que sejam enviadas mensagem exigindo que a Secretaria de Segurança Pública do Paraná tome as medidas cabíveis para garantir a integridade física e os direitos dos posseiros de Guaratuba:

Secretário de Estado
José Tavares da Silva Neto
sesp@pr.gov.br.
fax: (41) 352-3070, ramal 2305
(41) 313- 5060 (41) 254-5838.

Escravidão no Brasil do Século 21

Segundo dados da CPT nos Estados do Pará, Maranhão, Mato Grosso e Tocantins, cerca de 130 fazendas foram denunciadas em 2002 por utilizarem trabalho escravo, envolvendo 5.000 trabalhadores, 4.300 somente no Pará. Desse total, a fiscalização da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) não alcançou nem 40%. O que faltou? Planejamento, recursos, vontade? Sem fiscalização, como pretender erradicar o trabalho escravo?

Sem terra denunciam descaso com Reforma Agrária em São Paulo

Nos dias 4 e 5 de dezembro, as famílias acampadas e assentadas no Pontal do Paranapanema, em São Paulo, realizaram ato pacífico para denunciar o descaso do Itesp (Instituto de Terras de São Paulo) e do Governo Estadual em avançar a Reforma Agrária na região.

De acordo com o manifesto divulgado no ato, nos últimos quatro anos, das mais de 1500 famílias acampadas, apenas 65 foram assentadas. Já os assentados, se afundam em dívidas, as produções estão sem preço e a condição de vida é precária.

O Itesp, além de não prestar assistência técnica adequada, de motivar a venda de lotes e de incentivar a monocultura de cana de açúcar, permite retornar aos cofres públicos 29 milhões de reais destinados a compra de terras devolutas na região com o objetivo de implementar a Reforma Agrária.

Ainda de acordo com o documento, o Governador do Estado, Geraldo Alckmin, esteve na região há um ano e meio anunciando a compra de 13 áreas para a Reforma Agrária. Até o momento, nenhuma família foi assentada.

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