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O FMI e o Brasil: Quem salva quem

http://resistir.info/brasil/fmi_brasil.html
por Paul Singer [*]

O que está em jogo nas eleições para a Presidência não é se o Brasil vai conquistar as boas graças das finanças globais, mas se o Brasil vai continuar pelos próximos quatro anos a depender das boas graças das referidas finanças.

Com a liberdade de que os gestores da riqueza financeira vem gozando de retirar seus capitais do país sempre que o desejam, o crescimento da economia real fica totalmente condicionado às idas e vindas dos capitais globalizados. A saída dos capitais desvaloriza o real, o que detona imediatamente aumentos das tarifas dos serviços públicos privatizados e dos preços dos derivados do petróleo. Esses aumentos pressionam os índices de preços, obrigando o Banco Central a cortar o crédito e a elevar os juros sobre a dívida pública, para defender suas metas de inflação.

Com o aumento da despesa financeira, o governo federal é obrigado a cortar o gasto público, para preservar o superávit primário. As conseqüências disto são a contração da demanda efetiva, queda das vendas no varejo, inchaço insuportável dos estoques, corte da produção, demissões. A economia mergulha em recessão, que se agrava com o aumento do desemprego, redução das rendas familiares, dos gastos de consumo e das inversões etc.

É o que estamos assistindo nos últimos três meses, mas já nos vem acontecendo intermitentemente desde 1995. As candidaturas de oposição, em especial a de Lula, têm como razão de ser mudar esse modelo, pôr um fim ao condicionamento da economia real aos fluxos sempre especulativos dos capitais globalizados, para fora e para dentro do país.

Quando se tornou evidente que uma destas candidaturas poderia se tornar vitoriosa nas eleições, os capitais globalizados decidiram deixar o Brasil, com os efeitos esperados sobre a conjuntura da economia real. Este movimento foi interpretado pelo governo e pela mídia que o apóia como um prenúncio do que acontecerá ao Brasil se ousar eleger alguém não comprometido a conquistar a qualquer custo as boas graças daqueles capitais.

Trata-se duma falácia, pois foi uma decisão política que deu aos capitais globalizados este poder olímpico de estrangular financeiramente o país sempre que o desejem. Decisão esta que pode ser revogada por outra, que devolva ao governo eleito pelos brasileiros o poder de controlar a movimentação dos capitais e assim de defender a economia real do veto destes últimos.

Agora os capitais globalizados elegeram o FMI como o seu salvador, já que ele pode em princípio fornecer ao governo brasileiro dólares que seriam usados para repor os que estão fugindo. Em 1998/99, um acordo dessa espécie não impediu que a fuga de capitais continuasse até que o Banco Central desistisse de defender o valor externo da moeda. Em 2002, a assistência do FMI não teria mais efetividade do que então. Mas ela serviria para esterilizar as candidaturas de oposição, obrigadas a se comprometer solenemente com uma política econômica que deveriam substituir.

Um acordo pré- eleitoral do Brasil com o FMI em nada garantiria a economia real, mas igualaria todas as candidaturas perante a questão crucial das relações de poder entre o eleitorado brasileiro e os que representam e manipulam a riqueza financeira globalizada.

Há cerca de um mês Soros, o grande especulador, disse com todas as letras que ou elegemos Serra ou ele e seus colegas transformarão o Brasil em caos. É uma ameaça que devemos repelir, mas que, com as regras vigentes hoje, é real. A única resposta séria e efetiva, à ameaça de Soros, que explicitou o que o conjunto dos capitais globalizados estão fazendo, é propor um pacto pré-eleitoral entre todas candidaturas à Presidência de restauração da soberania econômica do Brasil, pelo qual qualquer um que for eleito se compromete a regular a movimentação dos capitais sobre nossas fronteiras de modo que a economia real não fique mais a mercê de fugas dos capitais globalizados.

Originalmente o FMI foi concebido como representante dos governos dos países-membros, interessado em ajudar países ameaçados de insolvência por choques externos adversos. Hoje ele representa sobretudo o governo dos Estados Unidos e através dele os capitais globalizados. Ele empresta divisas a países que solicitam sua assistência em troca de compromisso com metas de política fiscal e monetária, que visam garantir sobretudo os direitos dos credores externos destes países.

Em geral, os países "assistidos" já estão em recessão e as políticas impostas pelo FMI agravam a recessão, inviabilizando por isso as metas acordadas, o que acarreta a suspensão dos empréstimos do Fundo e o início de nova negociação. Assim, a submissão dos países importadores de capitais ao FMI torna-se crônica, como a experiência brasileira dos últimos anos comprova. As exigências draconianas do FMI à Argentina indicam um agravamento do desvio de função que vem tornando o Fundo o algoz de seus próprios membros mais vulneráveis.

A interferência do mercado financeiro no processo eleitoral tem sido apresentado como fatal, já que ela ocorre na maioria dos países. Mas isso não é verdade. Nem todos os países se submetem aos desejos dos capitais globalizados. Países como China, Índia e Malásia não se sujeitam a fugas de capitais e se mostram invulneráveis às crises financeiras que varrem outros países asiáticos, latino-americanos e do oriente europeu. Nem por isso aqueles países foram excluídos dos mercados mundiais de mercadorias e de capitais. O seu crescimento intenso e ininterrupto funciona como ímã que atrai investimentos diretos, apesar dos controles a que são submetidos.

O Brasil tem portanto ao menos duas opções: persistir no modelo atual, hoje rejeitado pela maioria dos brasileiros, ou forjar um outro, que nos proteja das crises financeiras, garantindo crescimento econômico estável com vulnerabilidade externa decrescente.

Para que os eleitores possam decidir qual opção preferem é preciso que as candidaturas de oposição não cedam à chantagem e não abram mão de sua razão de ser. Precisamos salvar nossos direitos democráticos das imposições do FMI, cuja assistência é deletéria econômica e politicamente.

[*] Economista brasileiro, ex-secretário municipal do Planejamento de São Paulo (na gestão de Luiza Erundina), professor titular da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo. O original deste artigo encontra-se no jornal Valor Econômico , nº 555, de 22/7/2002

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