POLÍCIA REPRIME VIOLENTAMENTE MANIFESTAÇÃO DE 4000 PERSOAS EM SALVADOR Manifestação pacífica dispersa à base de gás e cassetetes Salvador, 11 de maio de 2001 Vamos à verdade, depois dos resumos dos noticiários. Este relatório é baseado em algumas entrevistas individuais e conversas coletivas com estudantes de várias tendências ideológicas (marxistas, anarquistas, anarco-punks, autonomistas, "não-tenho-opinião-formada-sobre-o- assunto", etc.), onde ficou claro o terrorismo da Polícia Militar da Bahia, obedecendo ordens diretas do Governador do Estado (César Borges) para reprimir a manifestação. Ontem uma passeata puxada por várias entidades (UBES, UNE, DCE-UFBA, CUT, ASSUFBA) e composta em sua maior parte por estudantes saiu da Reitoria da UFBA, no Canela, tendo como destino a casa do Pinóquio que um dia presidiu o Senado, para que lá se fizesse um ato político. Muito tranquilamente, a manifestação seguiu pelo Campo Grande e Forte de São Pedro até a esquina da Casa D'Italia, onde surgiu uma divisão no movimento, causada principalmente por diretores regionais da UJS (União da Juventude Socialista - entidade diretamente vinculada ao PC do B), sobre o rumo a ser seguido: a casa do Coisa- Ruim ou a Prefeitura? Explica-se: todo manifestante escolado deve saber que em cada cidade existe um "lugar proibido"; aquele lugar onde o poder institucional dominante não permite a passagem, sob pena de confronto com a repressão oficial - leia-se Polícia de Choque. Até certo tempo este local era a Prefeitura, "protegida" desde a esquina do Palácio dos Esportes (final da Praça Castro Alves, início da Rua Chile, que vai dar na Praça Municipal, endereço da Prefeitura); ontem a proposta inicial era que se mudasse o local do ato para a frente do prédio de ACM (Edifício Stella Maris, no final da Rua da Graça), mas a passeata teve seu rumo alterado e seguiu pela Av. Sete de Setembro, em direção à Prefeitura. Alguns marxistas, vinculados ou não ao PT, anarquistas e estudantes em geral puxaram o coro contra esta mudança de rumo gritando "casa de ACM", enquanto quem estava no carro de som dizia "isso, gente, CASSA ACM" numa total manipulação do movimento. Álvaro Dias, do Sindicato dos Bancários, chegou a dizer para um dos estudantes que "não venham bagunçar não, a gente está pagando". A pressão continuou até a Piedade, onde a passeata dobrou para voltar para o prédio do Canhoto pela Av. Carlos Gomes - apesar de Wesley Moreira, conhecido militante da UJS, tentar levar o carro de som para a Prefeitura, falando "segue para a Prefeitura, motorista!" algumas vezes. A passeata voltou, seguida como estava sendo desde algum tempo por "controladores oficiais": PMs comuns, PMs ciclistas (alguns deles se infiltraram na passeata e agiam como provocadores) e outros, que devem ter avisado à Polícia de Choque sobre a mudança de rumo. Na esquina da Casa D'Italia, um grupo de Policiais de Choque, entre 50 estimativa dos participantes) e 70 (estimativa da imprensa oficial) , estavam à espera. Dito e feito: os estudantes anarquistas e anarco-punks, talvez o único grupo que já esperava um conflito SÉRIO (as últimas manifestações do DCE-UFBA têm sido pacíficas), se uniram junto de um estudante que estava com uma bandeira preta anarquista e decidiram DAR A VOLTA POR TRÁS DA CHOQUE, passando por um caminho circunvizinho. Servia tanto para mostrar aos outros que a passagem era possível quanto para, em caso de um confronto, dar mais trabalho aos policiais. A Choque mostrou-se visivelmente preocupada, tanto que impediu a passagem de QUALQUER PESSOA para ambos os lados do muro humano que é da sua tática comum - incluindo idosos, que não foram poucos a tentar passar. Uma militante da UJS e duas amigas seguiram o grupo para trás da barreira, e aí começou a confusão. Alguns policiais, intimidados pela bronca que levaram de seus comandantes (coronel Zigfired, major Walter e policiais Nascimento, Luis Augusto e Ernesto, estes três de patente não- identificada), partiram para cima delas para forçá-las a voltar ao grupo principal, a esta altura com 3.000 (estimativa da PM) a 5.000 (estimativa do grupo) manifestantes. Os anarquistas e os anarco-punks foram soltá-las (conseguiram), mas um deles foi preso logo neste momento. No grupo maior, algumas mulheres faziam uma barreira na frente dos policiais; alguns manifestantes já estavam sentados, numa tática de resistência passiva totalmente espontânea. Os policiais, a esta altura, já empurravam os manifestantes para trás. Vendo a confusão no outro lado, os estudantes passaram a reclamar com os policiais, que se aproveitaram disso para começar seu festival de fogos assassinos. Bombas de efeito moral foram lançadas no meio de manifestantes de ambas as frentes e explodiram muito perto de alguns deles, ferindo vários. Bombas de gás lacrimogêneo (na verdade gás pimenta) também foram lançadas no meio da multidão, e foram tantas e tão furiosa e compulsivamente lançadas que chegaram a atingir a cobertura do Colégio DNA, na Av. Sete de Setembro, fazendo com que o gás entrasse pelo sistema de ar condicionado e causasse mal-estar em várias pessoas que nem sabiam o que acontecia do lado de fora. Há boatos de que um estudante perdeu um dedo quando devolvia uma bomba, que explodiu em sua mão. Um calouro da Faculdade de Direito levou estilhaços de bomba por todo seu flanco esquerdo. Populares que não estavam participando manifestavam seu apoio oferecendo vinagre aos atingidos pelo gás para que os efeitos passassem. Depois das bombas, a polícia investiu contra as duas frentes com cassetetes e balas de borracha. Um anarco- punk foi atacado por um policial e entrou em luta de chão com ele; logo depois outro policial, ao ver que um grupo se aproximava, foi "fazer a cobertura", sacando uma arma de choque e uma pistola, apontando contra os que chegavam perto e dizendo "quem vem?" O anarco-punk foi imobilizado depois de ter uma arma colocada em sua boca, e detido. Uma representante do Diretório Acadêmico de Ciências Sociais foi chutada por um policial enquanto ainda estava sentada. Atiraram contra o carro de som, forçando um estudante a se jogar de cima do carro até o chão. Um estudante, que desde muito antes agitava a Constituição e dizia "esta é a minha arma!!" na frente da barreira policial teve de ouvir um "se você botar isso de novo na minha cara eu vou te descer a madeira!!" Acuados pela Choque na frente e pela PM comum atrás, os estudantes corriam, paravam e jogavam o que aparecesse pela frente na Polícia, enquanto mais outros eram presos e a Polícia fazia blitz nos ônibus procurando por qualquer documento que identificasse qualquer pessoa como estudante - o que implicava em revista completa de seus materiais e de seu próprio corpo. Alguns feridos foram atendidos na Casa D'Italia. Os estudantes que permaneceram mobilizados foram para a Av. Sete de Setembro em passeata, seguidos pela Choque - que agora aumentava seu arsenal terrorista com Rottweilers -, em direção à Secretaria de Segurança Pública, na Praça da Piedade. Lá pressionaram pela liberação dos oito estudantes presos, soltos no final do dia - e houveram situações escrotas como um dos advogados ser questionado sobre se a sua carteira da ordem ser falsa ou não. Saldo da manifestação: oito presos; muitos feridos por balas de borracha, cassetetes e estilhaços de bombas (até agora temos notícias de aproximadamente 20); secundaristas e universitários que voltavam para casa assustados, chorando de revolta; três policiais feridos (e inclusive um dos comandantes da operação tomou uma porrada na cabeça de um anarquista); e a impressão de que a Bahia merece ser objeto de estudo sério de cientistas políticos, economistas e etc., pois é o único lugar onde o feudalismo ainda não deu lugar pelo menos ao capitalismo mercantilista. Na imprensa escrita, o jornal A Tarde fez a melhor cobertura; o Correio da Bahia, jornal de ACM, distorceu os fatos, diminuiu o número de participantes e culpou os anarco-punks e o PSTU (que nem esteve na passeata) pela confusão, acusando-os de tentar virar carros (o que não ocorreu). Na mídia televisiva, a TV Aratu, retransmissora do SBT, fez a melhor e mais extensa cobertura; não pudemos ter acesso ao resto das coberturas. Leiam, reproduzam, divulguem por todos os meios possíveis. Haverá outra manifestação, que também estaremos cobrindo, desta vez no próprio ato, e enviaremos relatório. --