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Bolívia: E agora?
por Tom Lewis [*]
http://resistir.info

La PazO motor dos protestos do mês passado na Bolívia foi o gás natural. A questão do gás ainda aguarda uma resolução definitiva. E isto significa que a luta contra o neoliberalismo na Bolívia tem um longo caminho pela frente.

O Movimento al Socialismo (MAS) exerceu uma enorme pressão entre 15 e 17 de Outubro para assegurar que o resultado dos protestos fosse uma saída constitucional: ou seja, a renúncia do presidente Gonzalo Sánchez de Losada e tomada de posse do vice-presidente Carlos Mesa.

O MAS apoiou efectivamente o sistema de partidos existente e a forma em vigor do Estado boliviano baseado na democracia representativa (ou burguesa). Assim o MAS manteve-se fiel à sua estratégia de apoiar o governo - ainda que não necessariamente a pessoa de Sánchez de Losada - até às eleições de 2007. Apesar do seu discurso radicalmente anti-neoliberal, este apoio ao governo definiu a sua política nacional desde Abril de 2003.

Até o momento o MAS, tão pouco, fixou um prazo para convocar a Assembleia Popular Constituinte. Anteriormente os líderes do MAS previam sua convocação também para o ano 2007. Aparentemente eles não sentem qualquer urgência em adiantar esta data apesar do levantamento popular da semana passada. Talvez este facto não seja de estranhar, uma vez que o MAS afirma no seu sítio web que "uns 80 por cento da mensagem de posse do [novo] presidente foi a mensagem do MAS, e que agora [os líderes do MAS] esperam que Carlos Mesa passe das palavras aos actos".

À esquerda do MAS, a Coordenadora para a Defesa e a Recuperação do Gás insiste em que a Assembleia Constituinte seja celebrada em seis meses. Além disso, a Coordenadora do Gás advogada uma transformação rápida do sistema político para a democracia directa ou participativa. Sua postura implica a exclusão dos partidos políticos dos procedimentos da Assembleia Constituinte. E isto significa que a Coordenadora considera que a Assembleia Constituinte é um mecanismo para criar uma nova forma de Estado e não, como o MAS, um simples meio para reformar o Estado.

Uma saída revolucionária da crise implicaria um governo provisório dos trabalhadores e trabalhadoras bolivianos com base na Central Obrera Boliviana (COB) e outros agrupamentos sindicais, como as COD e a COR (departamentais e regional), e incluiria líderes eleitos dos movimentos sociais, como Evo Morales, Felipe Quispe e o porta-voz da Coordenadora, Óscar Olivera. Contudo, o movimento de massas - aquele que tão poderosamente derrubou Sánchez de Losada - ainda não adoptou a saída revolucionária como a sua. A ideia de uma saída "constitucional" domina a consciência de massas, e provavelmente será assim até que o novo governo, ou inclusive a Assembleia Constituinte prometida, tenha decepcionado ou traído as expectativas populares.

Entretanto, duas realidades novas influenciarão de modo decisivo o desenvolvimento da luta boliviana ao longo das semanas e meses que se seguirão. Primeiro, a COB recuperou uma legitimidade importante depois de muitos anos de passividade e de genuflexões perante os partidos políticos no poder. Precisamente por isso, a antiga liderança da COB foi expelida durante o seu último congresso nacional, em Abril. A nova direcção já fez as suas provas com o papel que desempenhou na recente rebelião. Segundo o serviço de imprensa Econonoticiasbolivia, a COB converteu-se "no chefe incontestado do levantamento popular".

A segunda realidade tem a ver com o tempo da luta e com o reformismo. Se o movimento de massas e as organizações que o compõem relaxarem, o ímpeto reverterá para o neoliberalismo. Sem uma mobilização contínua, as reformas - inclusive a Assembleia Constituinte - servirão principalmente para dar tempo aos patrões para se reagruparem.

O acto de recuperar o gás por parte do povo boliviano não pode significar outra coisa senão a renacionalização deste património e a sua autogestão por parte dos trabalhadores e trabalhadoras bolivianas. Mas a possibilidade de renacionalizar e autogestionar o gás pressupõe um ataque frontal contra o capitalismo nacional e global. A classe dirigente boliviana, e os imperialismos estadunidense e europeu, procurarão defender o seu "direito de explorar" por "qualquer meio necessário". Seria totalmente ilusório crer que a recuperação do gás por parte da maioria trabalhadora na Bolívia pudesse ocorrer sem um movimento revolucionário de massas pelo socialismo.

Há vários paralelos entre a Bolívia em 2003 e a Argentina em 2001. E a truncada experiência revolucionária na Argentina proporcionou-nos várias lições, dentre elas: (1) a importância da unidade entre a esquerda; (2) a importância de colocar a classe trabalhadora organizada - urbana, rural e desempregada - no centro da luta: (3) a importância de que os trabalhadores e trabalhadoras assumam como suas uma ampla gama de exigências sociais - neste caso, as exigências dos grupos indígenas e dos cocaleros; e, finalmente, (4) a importância de construir um movimento consciente pelo socialismo que pode ser mais amplo do que, mas também incluir, os partidos revolucionários.

Nesse sentido, é interessantíssimo o relatório do Econoticiasbolivia do dia 20 de Outubro: "Depois de activar e protagonizar uma explosão social, que teve o saldo trágico de cerca de 70 mortos a bala e mais de 500 feridos, os trabalhadores do país, no último Ampliado Nacional da Central Obrera Boliviana (COB), extraíram uma conclusão principal: os operários, camponeses, nações oprimidas e classes médias empobrecidas não arrebataram o poder à 'classe dominante' porque 'não contam' ainda com um 'partido revolucionário' ".

Construir um partido revolucionário a partir de baixo - com uma vida partidária democrática e com uma orientação aberta, não sectária - é tarefa difícil. E não se faz num dia. Mas é imprescindível se o objectivo é recuperar a riqueza da Bolívia para as pessoas simples e trabalhadoras que a produz.

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[*] Professor titular de literaturas e culturas hispânicas na Universidade de Iowa (EUA) e redactor para a América Latina da International Socialist Organization, com sede em Chicago, e tradutor e co-autor com Óscar Olivera de "¡Cochabamba!" (South End Press, Primavera 2004).

O original encontra-se em http://www.econoticiasbolivia.com.

28/Out/03


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