Zapatistas rumo à Cancun
Por EZLN 10/09/2003 às 13:05
http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2003/09/262996.shtml

Palavras do Comandante Zebedeo.

Irmãos e irmãs, companheiros e companheiras:

Depois de tantos rumores de que o EZLN já estava acabado, como podem ver, estamos aqui outra vez na mesma luta, melhorando os caminhos da resistência.

No passado século XX, fizeram uma maquiagem para fazer-nos crer que havia ficado para trás o tempo da miséria, da pobreza, do paternalismo, da escravidão e da Santa Inquisição. Hoje, os sofrimentos de grande parte da sociedade civil são os mesmos. Vimos a chegada do novo século com o mesmo conteúdo brutal do passado.

Nestes tempos de globalização, estão aplicando de outra maneira a nova Santa Inquisição. Hoje, os pecados dos povos pobres não são pagos com o chicote; estamos pagando com armas sofisticadas, especialmente fabricadas para enfrentar os que se rebelam contra os planos da globalização, contra a invasão; por isso, pagamos todos, incluídas as crianças e os anciãos.

A globalização, com seus tratados de livre comércio, a Organização Mundial do Comércio e a Área de Livre Comércio das Américas constituem implementos e elementos para a extinção do patrimônio de cada país, da soberania e da cultura. Diante desta guerra e da ameaça que a globalização faz a nível mundial, não podemos nos fazer de desentendidos quanto ao fato de que o que se busca é a humilhação e a submissão. Esta situação é tão fácil que pode ser entendida até por um analfabeto.

Conseqüência do mal, ou seja, do parasitismo em relação à sociedade civil mundial, é que, a cada dia, há pobres cada vez mais pobres e aumentam de número os milhões de desempregados, mutilados de qualquer esperança. Esta globalização veio graças a um plano engenhoso, mas, diante dele, os povos do mundo estão aprendendo a resistir e a organizar-se para parar a dominação e a invasão.

Já se lê e já se vêem povos do mundo que têm deixado de serem expectadores. Conforme o tempo passa, vão se tornando atores importantes para construir um mundo onde caibam muitos mundos. Como já é mundialmente conhecido, a guerra dos maus governos da globalização tem levado a morte e a destruição muito longe daqui, para um lugar que foi rico em cultura e história da humanidade.

Lá, o povo do Iraque está demonstrando que a questão não é trocar os tiranos locais por tiranos estrangeiros, mas sim, unir a democracia e a justiça com a liberdade, a soberania e a independência. Resistindo a cada dia, o povo iraquiano derruba a já frágil estátua do triunfo militar britânico e estadunidense.

Queremos repetir também uma saudação que demos antes. A saudação à luta política e cultural do povo basco. E o repito claramente: à luta política e cultural do povo basco, porque logo alguns jornalistas põem sua mentira de que apoiamos a ETA e até um cantor de rock bobo diz isso. Assim, saudamos a luta política e cultural do povo basco.

Mais ainda agora que qualquer pessoa deste país é perseguida, hostilizada e desprezada em qualquer lugar do mundo. Sabemos que para este povo os tempos são difíceis, mas sabemos também que saberão resistir e serem criativos para ir adiante. Nós não podemos fazer muito, mas repetimos também com esperança o "GORA EUSKAL HERRIA" que nunca se apaga, nem sequer nas prisões e nas salas de tortura do governo espanhol, e o dizemos bem forte para que seja ouvido por este sujeito (o juiz Baltasar Garzón) que agora está tirando férias do seu trabalho de fechar jornais e colocar organizações políticas na ilegalidade.

E agora a nossa palavra vai até à Europa, até à França. Neste momento, queremos mandar uma saudação zapatista aos irmãos e irmãs da França que, nestes instantes, encontram-se reunidos num lugar chamado Lês Places, em Larzac. Lá, há irmãos camponeses franceses que lutam contra a globalização da fome, dos cultivos transgênicos e contra a guerra do poder.

Saudamos os Coletivos Sudoeste de Solidariedade com Chiapas (Cariége, Bordeaux, Lot, Pavolorón, Tarn e Toulouse); a rede Mut-Vitz o sudoeste, a Americasol, o Comitê de Apoio aos Povos de Chiapas em Luta, Paris, a Associação Construir um Mundo Solidário, a Confederação Camponesa Nacional e todas as organizações que lá se encontram reunidas. Não sabemos se estão nos ouvindo neste momento, mas tenho certeza de que, apesar de tão longe, sentirão o abraço que os menores de seus irmãos, nós zapatistas, mandamos a eles.

E, mais pra cá, a sudeste do nosso sudeste, da Argentina digna chegam ventos de apoio e esperança. Respondemos a eles com o humilde vento que somos e o nosso abraço cruza a América Latina inteira para nada mais dizer que se entenda só com as palavras "irmãos e irmãs".

E no Caribe há um povo que está no alvo da guerra de conquista mundial, o povo de Cuba. Para este povo vai a nossa admiração e o nosso respeito que, pequenos que somos, nada mais podemos fazer.

Sabemos que os planos para atacar a ilha de Cuba não são de mentira. Mas, tampouco, é de mentira a decisão deste povo de resistir e decidir, sem ingerências estrangeiras, o seu destino, que outra coisa não é a não ser a soberania.

Irmãos e irmãs:

Há no mundo um país de gente nobre e boa. Também neste país o mal governa, mas, em baixo, a dignidade rebelde fala italiano e pensa no futuro. Os novos mundos que lá e aqui se constroem aprendem juntos a dizer "Fratelli" e "Hermanos", que em italiano e castelhano querem dizer o mesmo, ou seja, "amanhã".

E agora queremos mandar uma saudação especial ao povo da América do Norte, que se levantou dos escombros das torres gêmeas de Nova Iorque para opor-se a uma guerra movida por interesses econômicos, e escondida na dor e na coragem provadas pelos atentados de 11 de setembro de 2001. E queremos mandar um abraço muito grande, tão grande quanto a nossa esperança, aos irmãos mexicanos que sofrem e trabalham em terra estrangeira, não porque queiram, mas sim porque a espoliação neoliberal os tirou de suas terras. Saudamos, pois, o sangue mexicano que pulsa acima do Rio Bravo.

Queremos dizer que, nos próximos dias, haverá uma reunião muito importante em Cancun, México. E não estamos nos referindo à reunião da Organização Mundial do Comércio, este organismo que comanda a nova guerra mundial contra a humanidade. Não. Estamos falando da reunião que terão pessoas de todo o planeta para repetir o "não" ao mundo excludente do dinheiro e afirmar que outro mundo é possível.

Conforme sabemos, de 1 a 7 de setembro, haverá ma reunião sobre meios e tecnologias alternativas, de 8 a 9 um fórum camponês e no dia 9 de setembro, daqui a um mês, haverá mobilizações em Cancun e no mundo todo contra aqueles que se acham os donos do planeta. Em setembro, a Cancun e ao mundo, irá a palavra dos zapatistas de acordo com uma forma que estamos pra decidir.

Irmãos e irmãs:

Também queremos saudar e abraçar com carinho especial e admiração todos os mundos que existem no mundo. Não conhecemos os países, mas conhecemos algumas pessoas das que neles lutam, e através de suas palavras e ações temos aprendido que a dignidade e a rebeldia não têm a ver com as bandeiras, os idiomas, os tipos de moedas e os passaportes.

A estes mundos diferentes dizemos daqui, das montanhas do sudeste mexicanos, que não estão sós.

Irmãos e irmãs:

Deixemos para trás o racismo e a exclusão, vejamos um caminho comum que nos leve à esperança de uma vida mais humana. Para construir este mundo novo é importante que todos nós, homens e mulheres, nos tornamos filhos da rebeldia e da resistência, e como recompensa conscientizemo-nos de que iremos estrear os modernos presídios construídos pelos chamados governos.

Isso quer dizer que, então, não é para perder de vista o monstro global mundial. Estas têm sido nossas palavras e o que segue é dançar e lutar.

Viva a resistência mundial!

Viva a rebeldia mundial!

Vivam os povos pobres do mundo!

De Oventik, Caracol "Resistência e Rebeldia pela Humanidade"

Pelo Comitê Clandestino Revolucionário Indígena - Comando Geral do Exército Zapatista de Libertação Nacional.

México, 9 de agosto de 2003.


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