Cancún como uma segunda Seattle
Por Tradução Die-go (Voluntário CMI Brasil) 09/09/2003 às 17:44
http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2003/09/262923.shtml

O México será sede da 5ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio, que se realizará de 10 a 14 de setembro de 2003 em Cancún, Quintana Roo.

Preparando as manifestações em Cancún

O México será sede da 5ª Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio, que se realizará de 10 a 14 de setembro de 2003 em Cancún, Quintana Roo.

A OMC se converteu na nova constituição corporativa do mundo, é a peça mais ampla da arquitetura global do modelo neoliberal, que também inclui outras iniciativas regionais como TLC, ALCA, PPP, Plan Colombia, G8, PAC, APEC entre outros.


Cancún como uma segunda Seattle
Walden Bello*

Falta pouco mais de nove semanas para que o refúgio turístico de Cancún no México sirva de sede à quinta reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), entre os dias 9 e 14 de setembro. Porém as negociações em Genebra estão praticamente estancadas. A sensação que se apresenta é que Cancún não será outra Doha, onde a cooperação entre Estados Unidos e União Européia (UE) impôs um programa de trabalho e negociações pontuais de comércio, em um ambiente onde pesava a ressaca dos ataques de 11 de setembro de 2001.

A polarizada situação das negociações agrícolas exemplifica muito bem o estado atual dos assuntos. Estados Unidos e o grupo Cairns de agro-exportadores dos países desenvolvidos e em desenvolvimento consideram que no esboço proposto, as reduções alfandegárias são muito pobres, enquanto que a União Européia e o Japão as consideram demasiado amplas.

Os países em desenvolvimento estão preocupados porque o esboço lhes exige recortes alfandegários substanciais. Ademais, estes países demandam ampliar os "produtos estratégicos" incluídos na proposta que, até o momento, reserva só alguns quantos alimentos básicos na categoria cujas reduções tarifárias devem ser mínimas.

Algo que pesa negativamente é que, por impulsionar vantagens na negociação, Estados Unidos e a União Européia dividiram as filas dos países em desenvolvimento. Países em desenvolvimento pertencentes ao Grupo Cairns como Brasil, Uruguai e Tailândia passaram para o lado dos Estados Unidos contra a União Européia e Japão. A União Européia respondeu obtendo o respaldo de Índia e outras nações em desenvolvimento para impulsionar uma contra-proposta de liberalização agropecuária mais parecida à fórmula de liberalização surgida na rodada do Uruguai, supostamente mais flexível.

Em resumo, é muito improvável que em Cancún se chegue a um consenso com respeito às modalidades nas negociações agrícolas.

Estancamento nos TRIPS

Estados Unidos não recuou um passo em relação aos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (conhecidos como TRIPS, sigla em inglês) e na controvérsia em assuntos de saúde pública. Mantém sua posição de que só no caso dos medicamentos destinados a curar o HIV-AIDS, a malária e a tuberculose poderão se abdicar os direitos de patente.

Whashington fala agora de soltar os direitos de patente somente em casos de "crise de saúde pública" e não por "problemas de saúde pública". Os negociadores norte-americanos têm dito aos seus opositores dos países em desenvolvimento que se desejam agilizar as negociações deverão falar diretamente com os gigantes farmacêuticos.

Outra situação perturbadora é que o próprio diretor geral da OMC, Supachai Paintchpakdi, descentraliza a culpa do estancamento nas negociações, dos Estados Unidos ao Brasil e à Índia, cujos fabricantes, alega, são quem principalmente se beneficiarão ao flexibilizar os direitos de patente.

Em quanto aos controversos "novos aspectos" - inversão, políticas de competência, procuração governamental e facilidades ao comércio - a União Européia tenta agora separar a decisão de empreender negociações em torno destes aspectos, de qualquer movimento de sua parte para liberalizar a agricultura.

Os governos dos países ricos intensificam sua campanha para convencer os governos dos países em desenvolvimento, relutantes em negociar estes assuntos, de que a liberalização destes aspectos vai encaminhada em seu próprio benefício.

Há informação de que, buscando agilizar um pouco a questão, Estados Unidos propõe "desatar" quatro áreas, para que as negociações possam proceder separadas. A UE consentiu publicamente com os Estados Unidos, mas preferiria juntar as quatro partes.

A União Européia também está evitando as preocupações dos países em desenvolvimento relativas às modalidades substantivas, e prefere circunscrever as negociações às modalidades que se acordam em Cancún, que são meramente de procedimento: que tantas reuniões devem ser realizadas etc. Não é surpresa que isto seja muito criticado pelos países em desenvolvimento, que consideram esta jogada como uma tentativa de tentar extrair-lhes um cheque em branco antes de começar as negociações sem antes decidir a substância de tais práticas.

Em duas das áreas chaves, de grande interesse para os países em desenvolvimento, nada saiu do lugar. São os aspectos relacionados com o tratamento e a instrumentalização especiais e diferenciais. Nesta última, é importante relatar que em uma reunião recente com organizações não governamentais em Bangkok, no começo deste mês, Pascal Lamy, comissário de Comércio norte-americano, acusou os países em desenvolvimento de não serem capazes de coincidir nas duas ou três prioridades principais da instrumentalização que se deseja revisar.

Como resumir isto? Que significa este estancamento nas vésperas da reunião de Cancún? O senhor Lamy disse simplesmente que "se se observar o processo surgido da reunião de Doha, que dita que as negociações se concluam até o final de 2004, então as coisas não estão tão mal, dado que em algumas áreas as negociações têm um avanço de dois terços, em algumas se está na metade do processo, em outras no primeiro terço e nos TRIPS há 98% de avanço".

O Papel das reuniões ministeriais é levar a cabo negociações em muitas áreas de uma vez, de modo que se possa chegar a um acordo que abarque tudo. Dado que não há ainda consenso nas modalidades das negociações das áreas críticas, a OMC encara um poblema fundamental: o que farão os governos membros em Cancún.

Talvez seja esta a razão chave na qual os funcionários da OMC não desejam concluir com uma declaração que anuncie acordos relativos aos aspectos necociados senão com um comunicado que sirva "como reporte do progresso" das negociações em curso, e a redação de alguns informes breves que provenha dos vários grupos negociadores que trabalham estes aspectos desde Doha.

As diferenças entre Estados Unidos e União Européia

Qualquer esperança de chegar em Cancún a resultados tipo Doha se dilui ainda mais conforme os laços comerciais entre Estados Unidos e a União Européia peoram, como acorreu recentemente. A UE ameaça impor sanções aos Estados Unidos no final de 2003, devido aos recortes fiscais outorgados aos seus exportadores, algo que um painel judicial da OMC declarou violatório das regulações da organização. Em represália (ao menos assim o percebem alguns setores), Estados Unidos disse que demandará à UE ante a OMC por declarar uma moratória de fato contra os alimentos geneticamente modificados.

Estes movimentos recentes não fortalecem a possibilidade de que, antes de Cancún, ambas as partes possam consensuar as modalidades de negociação relativas à agricultura nem a outros aspectos do comércio.

Fala-se que o representante de Comércio norte-americano, Robert Zoelick, e o comissário Lamy, estão se movendo para criar pontes nesta brecha entre Washington e Bruxelas antes de Cancún, porém as condiçoes do contexto são mais difíceis agora que em novembro de 2001, antes da reunião de Doha, quando os Estados Unidos e a União Européia compartilhavam a posição comum de combater o terrorismo e intervir no Afeganistão, quando Washington não havía imposto ainda a tarifa protetora de 40% à importação de aço nem havía outorgado subsídios de 100 milhões de dólares aos agricultores norte-americanos.

A sociedade civil se mobiliza

Conforme diminuem as negociações em Genebra, as organizações da sociedade civil direcionam seus esforços para montar mobilizações massivas e desobediência civil em Cancún e outras partes do mundo na semana da reunião ministerial da OMC.

Durante uma reunião celebrada em 11 e 12 de maio na Cidade do méxico, os delegados da Assembléias Global e Hemisférica contra a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e a OMC, declararam seu compromisso em descarrilhar a quinta reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio, e a acusaram de "institucionalizar o paradigma do livre mercado que tem como efeito pobreza, desigualdade generalizada, desigualdade de gênero e um endividamento maior em todo o mundo", acusando-a de "destruir meio ambiente global".

As Autoridades mexicanas se preparam então para a chegada de milhares de ativistas não só do México senão do norte e da América Central. A oposição da sociedade civil já pôs a OMC na defensiva. Não obstante que o senhor Supachai tenha convidado as principais ONGs a formar um comitê consultor da OMC, é interpretado por muitos observadores como um esforço para dividir a sociedade civil global. As organizações convidadas têm sido muito cautelosas em suas respostas, pois calculam o nojo que poderia ocasionar entre seus colegas esta ruptura de filas.

Com o ar carregado de confrontação, e em um momento em que a credibilidade da OMC está em seu ponto mais baixo por anos, Cancún não se protege como outra Doha e sim como uma segunda Seattle.

* Diretor executivo de Focus on Global South, com sede em Bangkok, e professor de sociologia e administração pública na Universidade das Filipinas.


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