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A20 em Québec
by querido amigo norte-americano 7:55pm Wed May 2 '01

A seguir um pequeno relatório dos protestos em Québec (Canadá), nos dias 20 e 21 de Abril, 2001, enviado por um querido amigo norte-americano que participou das manifestações.

Como sabe, havia muitas atividades programadas: palestras, fóruns, e protestos planejados para coincidir com Cúpula das Américas. Haviam muitos lugares para dormir, para todos/as, ginásios, universidades, casas particulares (isso foi uma diferencia bem visível entre a situação política no Canadá e nos Estados Unidos. - Nos EUA não deixariam os/as manifestantes usarem propriedades da universidade facilmente - a sociedade canadense parece mais crítica dos perigos do "livre comercio")

Radicais estavam organizados em volta da CLAC - Convergência de Lutas Anti-Capitalistas, e também de forma autônoma, em diversos grupos de afinidades. Também tinha o "Encontro dos Povos", que consistia de palestras, com participantes de vários grupos e perspectivas políticas, incluindo liberais, marxistas, sindicatos, ambientalistas, e também anti-autoritários. A grande marcha no dia 21 foi organizada nesta perspectiva. A primeira ação que participei foi a marcha na noite do dia 19, organizada pelo setor radical da oposição - CLAC e CASA. Foi intencionalmente sem confrontos com as forças do Estado, para minimizar o risco de detenções, para que todos pudessem participar da manifestação no próximo dia. Mais ou menos 3000/4000 participaram da marcha. Começando às 8:00 horas da noite, passando pela cidade e terminando às 11:00 horas num espaço liberado de embaixo de uma ponte, perto da velha cidade (este espaço serviu como um ponto de repouso, com uma cozinha, banheiros, e um lugar para descansar antes de entrar mais uma vez na batalhas). Depois rolou uma festa até altas horas da madrugada.

A ação de sexta-feira, dia 20 de abril, começou ao meio dia, com uma marcha partindo da Universidade Laval. Na verdade, não partimos até 1:00 da madrugada. Isso foi um contraste com as ações anteriores, por exemplo, em Seattle ou Washington, onde estávamos nas ruas às 5:00 ou 6:00 horas da manhã, num esforço para barrar a entrada dos delegados. O muro que construíram era totalmente separado do local da "Cúpula", impossibilitando ações deste tipo. Em vez disso, foi deixado o muro para nós atacarmos. A marcha foi organizada em três grupos - vermelho (ações arriscadas), amarelo (menos risco) e verde (pouco risco de repressão para acomodar pessoas de varias atitudes). Posso dizer que havia um respeito geral para a diversidade de táticas, de "vermelho" a "verde" ou "verde" a "vermelho"... Porém, no mundo real, e no meio da batalha, as divisões entre grupos de afinidades tinham a tendência de ser menos rígidas que na teoria, especialmente com a provocação da polícia. Quando a marcha de sexta-feira se aproximou do muro, a marcha se dividiu em duas partes - os verdes e alguns amarelos, indo a uns quarteirões próximos do muro, e os vermelhos e alguns amarelos que foram para a frente do muro. Talvez 4000 ou 5000 estavam com este grupo. Quando nos aproximamos do muro havia muito barulho e confusão. As tropas de choque estavam no outro lado a uns 40 metros. Sem perder tempo, subimos no muro e começamos a puxar de um lado para outro, com nossos corpos e também cordas. Talvez eles acreditassem que o muro estava seguro, este muro que as autoridades diziam que resistiria a força de um carro. Porém, derrubamos esta parte do muro em menos de cinco minutos, uma grande vitória moral.

Imediatamente começamos a entrar no perímetro, a polícia respondeu com gás e balas de borracha, e canhões de água... Assim continuou o resto do dia. Muito do ímpeto de tudo isso vinha do Black Bloc, que era composto de anarquistas (mas nem todos os/as anarquistas presentes) e organizados de maneira efetiva, como uma força móvel. Era claro que manifestantes e habitantes de todos os tipos batalharam com a polícia, não somente o Black Bloc, que simplesmente foram os mais visíveis, devido a sua organização. Grande parte da marcha da CLAC estava organizada em grupos de afinidades. Qualquer grupo podia ser dito como "Black Bloc", por seu estilo de vestir e táticas, mas eles não passavam de 200 ou 300 pessoas. A resposta enérgica à violência da polícia incluía muitos milhares de indivíduos. Diferente de outras situações, como em Seattle. A linha de batalha estava claramente marcada pelo muro (isso mudaria no noite do dia 21) e uma atmosfera festiva dominava as partes do centro da cidade, não encarcerada pelo muro. Devo dizer que a polícia sequestrou Jaggi Singh, anarquista e um dos organizadores mais importantes da CLAC, bem longe do muro e de qualquer confronto, sem provocação e com acusações completamente falsificadas. Ele ainda esta preso, numa estratégia de repressão do Estado. O total dos presos nos dois dias foi mais ou menos em torno de 400 pessoas.

Sábado, dia 21,era o dia da grande marcha , promovida por diversos grupos, incluindo os sindicatos, 30000 a 50000 pessoas participaram da passeata. A CLAC e radicais também participaram, mas partiram cedo para derrubar o muro e confrontar a polícia. O caminho foi visto como uma "forca" por muitos, porque estava totalmente dentro do perímetro policial. Havia muita confusão quando os/as manifestantes podiam ouvir os sons da batalha, ver nuvens de gás vindo da velha cidade, e muitos foram atraídos para o confronto, ao invés de continuar na marcha para ouvir o discurso dos "líderes" sindicais.

O panorama de sábado repetiu à de sexta-feira, com uma cidade ocupada pela polícia de um lado do muro, e manifestantes e habitantes do outro. Muita solidariedade foi dada pelos habitantes de Quebec, incluindo água, ajuda médica, e apoio moral. Também tinha uma clínica organizada por e para os/as manifestantes. Parece que a polícia usou uma fórmula mais potente de gás no sábado, usando em grandes quantidades. Aqueles que vinham preparados com máscaras de gás, e luvas parar jogar o gás de volta para a policia foram mais eficazes. Quase todos tinham pelo menos um lenço para cobrir a cara, tanto para evitar identificação como para reduzir os efeitos do gás. No sábado conseguimos destruir 5 partes do muro, mas nunca penetramos o perímetro policial por muito tempo, tinha muita força policial. Eles usaram balas de borracha, gás, e canhões de água. Por nossa parte tínhamos nossos corpos, pedras, garrafas, paus, e alguns poucos molotovs. A situação continuou assim até a noite, a cidade era um caos.

Depois a polícia tomou toda a velha cidade, empurrando os/as manifestantes para fora com força e usando muito gás. A batalha continuou até a madrugada.

Apesar de que alguns disseram que houve muita tolerância pela diversidade de táticas nos protestos, o Black Bloc foi aplaudido pela multidão.


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