sobre o fsm 2005

Por leo caobelli 01/02/2005 às 00:46
www.midiaindependente.org/pt/blue/2005/02/306089.shtml

crônica sobre as divergência entre teoria e prática no fsm 2005

Fórum Social Mundial 2005

Poucas vezes vi tantos antagonismos, tantas antíteses mal postas... Como se edifica uma heróica resistência iraquiana se esta é baseada nas mesmas atrocidades cometidas pelo governo tirano de George W. Bush? Como se glorifica o governo Castrista atual quando o mesmo assassina o povo em praça pública, persegue homossexuais e torna prisioneiros àqueles que discordam de suas idéias? Como citar Mao-Tse-Tung ao lado de Che Guevara se o maoismo perseguiu professores, queimou livros e escravizou povos vizinhos? Uma bandeira, por ser vermelha, é capaz de cegar toda juventude?

Pergunto e respondo, espero que não!

Não tenho dúvidas de que estamos fazendo história, tenho absoluta certeza de que nos livros escolares do futuro, o FSM será exaltado como o momento em que a humanidade deixou de pensar somente no lucro irrestrito e passou a objetivar os reflexos predatórios de um consumismo desenfreado.

Aliás, consumismo esteve muito mais próximo do FSM do que o próprio comunismo. Milhares de barracas que vendiam de tudo. Entre os achados a destacar cabem uma camiseta oficial da Estação Primeira da Mangueira e um prato de porcelana com a imagem do Pão de Açúcar com os dizeres "Estive no Rio de Janeiro", tudo isso ali, às margens do lago Guaíba.

Mas óbvio que o FSM é muito mais do que barraquinhas comerciais, havia as barracas do V Acampamento Intercontinental da Juventude aonde aconteceram algumas das melhores conferências de todo evento, principalmente as informais. A troca de conhecimento sem hierarquia, sem o palestrante e o palestrado. Dentro do Parque Farroupilha a fraternização global pareceu mais próxima, mas não se enganem enxergando-a no abraço ao primeiro que passava, na idéia de chamar todos de irmão ou companheiro, lembrem-se que o abraço e o carinho não vão tão longe sem o respeito à diversidade de pensamento, senão são apenas como legados hippies, como felicidade de festas de fim de ano, tão vazios quanto o papai-noel, figura imperialista mal quista pelos críticos natalinos (sem ironias, pois me incluo nesta categoria.).

E que não me venham taxar de anti-romântico, o romantismo não está na margarida no cabelo, na passeata de pelados pela beira rio, o romantismo está em pensar a praticidade do mundo de inclusão, na revolução do pensamento, baseada na educação e na arte, na liberdade irrestrita... Anti-românticos são os que se abraçam e propõe o autoritarismo governamental de regras inflexíveis, onde a perseguição, torturas e negligência aos direitos humanos são marcas vexatórias e vergonhosas.

Na marcha pela paz não faltaram gritos odiosos; no acampamento intercontinental nem sempre a diversidade foi unanimidade; na conferência sobre água, consumo e desperdício, não faltaram luzes acesas em pleno meio dia e no discurso do presidente Hugo Chaves, ovacionado cada vez que citava um exemplo de bravura latino-americano como Simon Bolívar, General San Martin, Artigas e Che Guevara - figuras estas de caráter irretocável - só não se ouviram muitos aplausos a uma frase tão importante dita por Ignácio Ramonet ao introduzir o esperado orador "Entre democracia e revolução não há contradição"!

E depois de tudo isso vi o Lucas, uma criança afro-descendente com não mais de 10 anos - dotada de um semblante de calma desconcertante - ficar tímido ao pedir umas moedas a um participante e receber o convite para escolher o que quisesse em uma vitrine de salgados. Percebi quando o garoto buscava na memória o nome do que queria, mas não conseguia lembrar com exatidão. Alguns minutos de esforço e a voz fraca de timidez fez-se entender: salada de frutas. Meros dois reais depois o jovem menino encantava-se no copo de pouco mais de 200ml. Entre pedaços de melancia, mamão, banana e maçã, a vida nunca havia sido tão doce.

O que me faz lembrar de Chaplin nas derradeiras palavras de seu último discurso em O Grande Ditador, pois no fim ainda há esperança:

"Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos! Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo - um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!"

Leo Caobelli

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